Enquanto espaços semióticos/fronteiras polissémicas, Lampedusa e o Mediterrâneo representam o funcionamento hiper-real (ou disfuncional) do controlo de fronteiras. Como local de biométrica e (re)definição da “comunidade imaginada” europeia (Anderson), Lampedusa e o Mediterrâneo são a confluência de um conjunto de linhas de cor/fronteiras com origens antigas e mais recentes: a divisão Norte/Sul (Europa continental vs. Europa mediterrânea), Sul-Sul (Europa mediterrânea vs. África mediterrânea), a Sul-Este (Europa mediterrânea vs. Médio Oriente) – construídas a partir de um conjunto de discursos que remetem para múltiplos “arquivos coloniais” (Ann Laura Stoler) / “arquivos nacionais” (Gloria Wekker) e são racializadas, genderizadas e sexualizadas.
Este estudo de caso visa analisar as representações mediáticas das linhas de cor locais, nacionais e internacionais que se sobrepõem e das fronteiras europeias, bem como a sua interação na construção de um sistema de definições – que fixa o significado de “vida” (Judith Butler) – e distinções – entre as vidas que são “descartáveis/dispensáveis” e as que “devem ser protegidas” (Talal Asad e Achille Mbembe) – no âmbito daquilo que Talal Asad designou por “pequenas guerras coloniais”. Por linhas de cor locais, nacionais e internacionais, entendem-se os eixos culturais, sociais e geográficos aos quais se atribui uma determinada cor (identidades racializadas) por agências europeias envolvidas no controlo e gestão da migração transnacional. Por fronteiras europeias, entendem-se aquelas ‘fronteiras ficcionais instáveis’ estabelecidas pelos governos europeus tendo em vista manter a Europa dentro de uma auto-imagem que identifica a Europa e a União Europeia como os marcos da civilização, da branquitude e da justiça no Norte; por seu turno, esta mesma fronteira “construída” produz as razões para o pânico moral, alegadamente engendrado por aqueles/as que violam a fronteira que delimita o espaço da ‘comunidade imaginada’ (e racializada) europeia. Esta reflexão interliga ‘textos’ e ‘contextos’, independentemente de os textos serem os que articulam discursos sobre “segurança nacional” e medidas de “gestão de riscos”, ou materiais culturais que forjam o imaginário de ameaça, monstruosidade e catástrofe moral.